À conversa com… D. António Augusto Azevedo, Bispo da Diocese de Vila Real

Natural de Avioso, no concelho da Maia, D. António Augusto Azevedo foi ordenado presbítero a 13 de julho de 1986, na Sé Catedral do Porto. É atualmente Bispo da Diocese de Vila real, clero regional que representa e classifica como “responsável, unido e também com uma raiz cultural muito forte”.

Professor “há mais de vinte anos”, docente na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e Prefeito e Professor no Seminário Maior do Porto, refere “uma experiência muito rica” e que lhe permitiu ajudar os jovens “a abrirem-se a outras dimensões e a outras formas de pensar”.

Com um percurso ímpar no seio da Igreja Católica, foi nomeado Bispo Auxiliar do Porto a 9 de janeiro de 2016 e viria a ser nomeado Bispo da Diocese de Vila Real pelo Papa Francisco a 11 de maio, missão que o recebeu “com simpatia” que por um lado “o responsabiliza a um serviço importante e exigente” e por outro lado “é também uma grande prova de confiança”. Tem como lema episcopal as palavras do salmista: “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor”.

D. António Augusto tem um percurso ímpar no seio da igreja Católica Portuguesa. Das várias fases do seu percurso destacamos as funções que desempenhou como Bispo Auxiliar do Porto e agora como Bispo da Diocese de Vila Real. Fazendo uma retrospetiva desse percurso conte-nos quando sentiu o “chamamento” para se iniciar no sacerdócio?

Faz hoje (19 de março) precisamente cinco anos que fui ordenado Bispo. É certamente um dia muito especial. Ninguém tem propriamente uma vocação para Bispo. Ou seja, é a Igreja, na pessoa do Papa que, a quem é padre, a determinada altura, lança este desafio de servir a Igreja com a responsabilidade de ser Bispo. No meu caso, confesso que fiquei surpreendido com a notícia, mais ou menos por estas palavras “o Papa precisa de si para ser Bispo” e digamos que é uma forma muito simpática, que por um lado me responsabiliza a um serviço importante e exigente mas por outro lado, é também uma grande prova de confiança. De facto é essa relação com o Papa que, no fundo, dá a dimensão destes Mistérios no serviço da Igreja Local: primeiro como Bispo Auxiliar do Porto e agora, nestes dois anos como Bispo da Diocese de Vila Real.

Ao longo dos anos, D. António Augusto desempenhou várias funções no seio da Igreja Católica. Fale-nos um pouco desse seu percurso e em que medida o mesmo contribuiu para o seu desenvolvimento pessoal enquanto homem de fé?

De facto, ser padre e depois ser chamado à Missão de Bispo tem muito que ver com a resposta da fé! Uma Fé que já não é só uma convicção, mas é mais um compromisso no serviço do povo de Deus. As maiores responsabilidades no seio da Igreja têm sempre a marca do serviço. O que se pede é um serviço ainda mais empenhado, aprofundado e dedicado à Igreja. Nesse sentido, a pessoa tem a possibilidade de conhecer uma visão mais aprofundada, crescendo nesse sentimento e no laço que o une à Igreja.

Voltando à juventude, lembra-se quando sentiu a vontade de se juntar à Igreja Católica?

É um percurso com momentos marcantes! Há um momento marcante quando se anda na escola, quando alguém nos fala, diz e incentiva essa ideia de ser padre e de servir a Igreja. Depois, no Seminário, quando se é uma pessoa mais adolescente e crescida, pondera-se, de facto, se é o melhor caminho, numa decisão mais funda e mais forte. E finalmente quando se aproxima a Ordenação, num compromisso mais definitivo, e aí há um discernimento se é de facto esse o passo que se deve dar. Eu diria que é um caminho desde a juventude. Não é apenas um único momento, mas momentos que vão contribuindo para que a decisão seja mais amadurecida e consciente.

Nesse percurso ímpar quais foram os principais desafios pessoais e profissionais que enfrentou na sua ação pastoral?

Os desafios têm que ver sobretudo sobre a pessoa se descobrir. O nosso crescimento é a descoberta da pessoa, daquilo que ela é e daquilo que realmente ela quer. E depois numa lógica de serviço à sociedade e, no caso de um cristão, no serviço à Igreja. Portanto, são ponderados todos esses fatores, à medida em que se vai conhecendo e percebendo aquilo que se quer e que se é capaz e aquilo também que a sociedade e o mundo nos pedem… É esse discernimento de fatores que depois contribui para que a pessoa dê esse passo, mais concretamente esse compromisso.  

D. António Augusto é docente na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, foi, em simultâneo, Prefeito e Professor no Seminário Maior do Porto. Fale-nos um pouco dessa experiência, nomeadamente do processo de preparação dos seus educandos no Seminário para os desafios que mais tarde vêm a enfrentar no seu percurso de fé?

Sou professor há quase vinte anos. Tem sido uma experiencia muito rica – embora nos últimos anos com menos disponibilidade – porque isso permitiu conhecer gente nova, com uma maior proximidade e também permitiu ajudar a abrirem-se a outras dimensões e a outras formas de pensar. O nosso ensino universitário tem qualidade evidentemente, mas peca um bocadinho por alguma setorização: há demasiada especialização e parece-me que hoje falta uma perspetiva um bocadinho mais global das coisas. Portanto, na Teologia – embora a minha área seja a Filosofia – foi possível ajudar os anos a questionarem algumas coisas e a refletirem uma forma mais abrangente.

Nomeado em 11 de maio de 2019 como Bispo da Diocese de Vila Real quais os principais pilares que sustentam a sua ação pastoral nesta região?

Compete a um Bispo numa Diocese governá-la, isto é, coordenar a ação pastoral. Neste caso concreto, dado a que estou há pouco tempo, a primeira preocupação é conhecer as pessoas, o clero, os leigos, conhecer as várias instituições. No fundo conhecer uma alargada rede de paróquias de uma Diocese quase centenária. E depois coordenar e fazer face aos desafios que se vão colocando. E hoje há desafios vários, como por exemplo o desafio da restruturação pastoral. Há algumas paróquias desertificadas, há uma considerável redução do número de padres… E depois outras questões de renovação pastoral também. Portanto, os pilares passam pela restruturação e renovação. Hoje, as vilas e as cidades têm outros dinamismos que é preciso ir acompanhando. Neste caso concreto tivemos depois, desde há um ano a esta parte, uma pandemia que veio alterar um bocadinho o que estava planeado mas tentamos fazer o melhor possível.

Numa entrevista concedida à Agência Ecclesia, em 30 de junho de 2019, o Senhor. Bispo fala da sua particular admiração por esta região. Passados dois anos da sua nomeação, como caracteriza agora o povo transmontano e como analisa o desenvolvimento espiritual e humano deste povo?

Eu já conhecia um pouco mas agora, por estar cá, conheço um pouco melhor. É, de facto, um povo com uma cultura muito forte e enraizada, cujo elemento religioso é um elemento estruturante, portanto tem uma religiosidade muito forte. Por outro lado é um povo com identidade e com as suas raízes, uma forma de ser e de estar muito próprias e muito ricas. É um povo com uma grande riqueza cultural, embora haja também alguma diversidade que são positivas e, desse ponto de vista, eu diria que é uma Diocese com uma forte identidade, com uma tradição muito enraizada e com uma marca muito forte, num contexto que é de rápida mudança e ao qual tentamos responder.

Qual a relação que julga estar estabelecida entre a espiritualidade e a beleza natural da nossa região?

O Reino Maravilhoso, como diz Miguel Torga, é de facto um dos pilares desta cultura. A ligação à terra – uma terra não só bonita feita de serras, montanhas e rios – mas também uma terra que suscita desafios: o sentido do trabalho e de cultivar a terra, de tirar dela o que é necessário para viver. É um povo que sabe apreciar não só a beleza, como também sabe viver nesta terra.

Como caracteriza o clero de Vila real?

Eu diria que é um clero unido e também com uma raiz muito forte. Eu conheço grande parte dos párocos, porque nos últimos anos a sua formação foi feita no Porto. Acima de tudo, o clero tem várias qualidades, mas também uma que eu aprecio particularmente: são pessoas com quem se pode contar! Esse sentido de ligação e serviço à Igreja estão muito presentes e nesse sentido é um clero com quem se pode trabalhar.

Qual a importância da Igreja para o desenvolvimento da vida coletiva e quais os principais desafios que atualmente enfrenta a fé cristã?

A Igreja teve sempre desafios. Ao longo dos seus anos de história, mesmo noutras civilizações e com outras culturas, a Igreja sempre soube adaptar-se no bom sentido e cumprir a sua missão em contextos diversificados. No caso de hoje, estamos num mundo de mudança acelerada, com uma forte marca de globalização, em que as questões tecnológicas e de comunicação estão em mudança profunda e, nesse sentido, a Igreja tem uma vantagem que é o facto de ser uma instituição global. Não é necessário alargar a sua presença, porque já está em praticamente todo o mundo, mas o maior desafio é corresponder a questões como a solidez da família, o trabalho, as sociedades e a dignidade da pessoa – que são questões importantíssimas para o futuro – a que se vêm somar questões mais recentes como as tecnologias e as novas comunicações – meios espantosos mas que requerem algum cuidado e atenção para não se voltarem contra o Homem – e, por outro lado, questões ligadas com o ambiente e com as alterações climáticas que, se não forem rapidamente refletidas e resolvidas poderão pôr em risco o futuro. A somar a tudo isto, uma questão de fundo um bocadinho mais espiritual, ou seja: esta globalização que favorece novos contactos e, sobretudo, favorece muito o consumo, muito o homem voltado para fora de si, que porventura está a fazê-lo correr o risco de o distrair ou de o retirar do que é realmente essencial, que é saber: “Quem é, para que vive e para onde vai”? Essas questões mais básicas estão a passar um muito ao lado e é esse fundo espiritual que a fé procura, ou seja, ajudar as pessoas a descobrir e a valorizar e este é também um desafio muito importante. A pessoa vive de forma muito acelerada, nesta vertigem que às tantas quando pára é porque é obrigada a parar, já não saber o porquê das coisas… E poderá ter perdido as referências fundamentais: as questões da vida e da família.   

A Humanidade vive tempos de imensa dificuldade económica e social, fruto de uma situação pandémica que obriga a que as pessoas estejam mais distantes e afastadas umas das outras. Como analisa esta nova realidade e quais as suas expectativas, do ponto de vista do desenvolvimento humano, para o futuro?

Eu diria que vejo com algum otimismo, embora com alguns cuidados. Ou seja, tudo o que tem que ver com o ser humano e com o seu âmbito de relações, nos últimos tempos, conheceu um aumento muito forte de possibilidades. Isto é, possibilidades de se relacionar a todos os níveis imensamente maiores e isso é uma mais-valia, porém isso não pode ser feito à custa da pessoa, a determinada altura, já não percebe as diferenças. Não perceber o que é essencial para ser feliz ou perder-se nesta diversidade tão grande de coisas. Saber quem é, aquilo que quer, qual a sua missão e o seu papel… Quais aqueles laços indispensáveis para ela não se perder e despersonalizar e esse sentido muito humano não se pode perder. 

Na sua ótica do Senhor Bispo quais as principais alterações que a Igreja Católica se viu obrigada a promover para contrariar esta tendência de afastamento interpessoal e da impossibilidade de se promoverem os habituais rituais?

A Igreja teve que adaptar normas gerais do ponto de vista sanitário, para que tudo o que era preciso fazer fosse feito dentro das regras. E isso, de um modo geral, aconteceu. Para a sua atividade foi necessário, em primeiro lugar, as comunidades, os grupos e as paróquias reinventarem-se e serem criativas. Houve um aumento muito acelerado do uso das novas tecnologias, redes sociais e de outras formas para que as pessoas mantivessem o contacto. Também a Diocese passou a transmitir algumas celebrações e algumas atividades, reuniões e formações foram feitas por via digital. Houve aqui uma capacidade – não foi igual em toda a parte porque há comunidades onde há menos meios e as pessoas têm menos possibilidades – de se adaptarem às novas exigências. Uma outra marca positiva foi, no fundo, o redescobrir e valorizar algo que estava um pouco esquecido: o núcleo familiar. Muitas famílias passaram a valorizar alguns momentos, a ter momento de oração e encontro e a participar, em conjunto, em algumas celebrações. Não foi de forma generalizada, mas houve muitas famílias que deram este passo em frente.

Estamos numa fase em que as portas das igrejas se vão voltar a abrir. Atravessamos um período da Quaresma, culminando com a principal celebração do Cristianismo que é a Páscoa. Com todas as dificuldades que atrás referiu podemos dizer que a Igreja Católica atravessa um período de renovação da fé?

Sim! Depois de no ano passado passarmos a Páscoa sem celebrações públicas e o facto de este ano já ser possível – não daquela forma habitual, com restrições e sem as habituais procissões, via-sacra e visitas pascais – é muito positivo, porque nos permite valorizar essas datas. Eu diria que ainda não é aquela Páscoa, com aquelas manifestações festivas, mas é já uma Páscoa mais próxima. É claro que fica sempre aquela marca da dificuldade das famílias se reencontrarem, um pouco como já aconteceu no Natal, mas esperamos que no próximo ano isso já possa acontecer.

 Em 2023 realiza-se, em Lisboa, a Jornada Mundial da Juventude. Este é um evento importantíssimo, não só para dar uma maior dimensão católica e de fé ao povo português, em união com outros povos do Mundo, como também para promover a participação dos jovens. Quão importante é este evento para Igreja Católica Portuguesa? E como caracteriza o papel nos jovens no desenvolvimento da ação pastoral da Igreja Católica?

Em primeiro lugar, os jovens são importantíssimos na vida da Igreja. Isso nunca é de mais sublinhar! Nem sempre isso transparece, mas o papel dos jovens, em cada paróquia, é importante. A Jornada Mundial da Juventude tem a vantagem não só de reunir os jovens de todo o mundo mas, sobretudo, dessa maneira visibilizar para eles e para outras pessoas que de facto são muitos, que contam e que são importantes. A realização da Jornada em Portugal será uma oportunidade muito interessante para os nossos e para todos os jovens, pois permitirá dar um passo em frente relativamente ao trabalho e à participação dos jovens na vida da Igreja, que têm muito a dar e muito a fazer.

No próximo ano comemoram-se os 100 anos da Diocese de Vila Real. Como pretendem assinalar esta data? Quais as principais atividades que estão previstas?

O programa está a ser ultimado. Este ano já houve algumas atividades preparatórias, embora sempre com algumas reservas que têm que ver com a evolução da pandemia. Haverá colóquios, conferências e exposições alusivas ao centenário e também aquelas celebrações mais marcantes. Queremos que seja um ano jubilar, com a marca da atualidade no trabalho destes 100 anos e também com alguns convites e desafios dirigidos às famílias e aos jovens para que haja possibilidade de redescobrir esta dimensão da Diocese.

Genericamente, são muitos os pedidos de auxílio que diariamente chegam às instituições sociais, às quais por vezes não é possível dar resposta de uma forma tão pronta quanto seria necessário. Como analisa o tecido das instituições sociais da nossa região e de que forma pensa que o mesmo se pode aproximar mais das reais necessidades das pessoas?

Nesta pandemia um dos aspetos relevantes foi naturalmente o trabalho das instituições, grande parte delas ligadas à Igreja, com várias valências – as Misericórdias, a Cáritas, por exemplo. Foi muito importante o seu trabalho, passaram por muitas dificuldades, nomeadamente as ERPI onde houve uma grande disseminação do vírus, mas queria sublinhar o esforço que as pessoas fizeram: os colaboradores, os responsáveis, que, com grande dificuldade de meios, responderam o melhor possível às dificuldades. Foi um período muito difícil. Muitas delas tiveram que reforçar os meios para corresponder a novas necessidades: famílias que ficaram em dificuldades por perda de rendimentos precisaram de apoios muito imediatos e também as instituições tiveram que se reorganizar e procurar dar resposta a estas necessidades. A pandemia veio sublinhar a importância destas instituições no presente e também dizer que no futuro vão ser igualmente importantes.

 Atualmente em Portugal existem 387 Misericórdias ativas que apoiam diariamente cerca de 165 mil pessoas e prestam um serviço muito importante às comunidades nas áreas do apoio social e nos cuidados de saúde. Como analisa o impacto destas instituições nas comunidades e em que medida esse trabalho se relaciona com os pergaminhos de tolerância, fraternidade e solidariedade da Igreja Católica?

De facto, as instituições como as Misericórdias têm duas mais-valias: por um lado, a sua história, com uma longa tradição na procura de respostas locais e concretas às pessoas de apoio às várias carências das populações e, por outro lado, a sua própria identidade com a marca cristã, em que a solidariedade não tem como foco – embora seja legítimo – o lucro, mas que estão sempre centradas na pessoa do outro que precisa de apoio. Esse fundo, cristão se quisermos, é também muito inspirador para os dias de hoje. É isso que justifica que haja tantas pessoas voluntárias, tantos beneméritos, tanta gente, que de forma muito desprendida e generosa, dá o seu tempo e os seus bens para ajudar os mais pobres. São duas marcas fortíssimas, importantíssimas e que distinguem. Isto é a alma e a história e sociedade portuguesa precisa disso.

A relação das Misericórdias com a Igreja católica conta-se para lá dos últimos cinco séculos, numa estreita relação de proximidade e cumplicidade. A SCMA completa no próximo dia 2 de Maio 120 anos de história, de um trabalho fundamental no desenvolvimento da comunidade onde se insere. Tendo em conta o lugar de destaque que ocupa na Diocese como pensa ser possível fomentar e fortalecer esta relação?

Essa ligação já existe formalmente por natureza! Agora o que me parece é que há algum caminho a percorrer no sentido em que essa cultura passe para todos os colaboradores, para a forma como se trabalha, como se faz, como se ajuda e como se prestam serviços. Isto é, sobretudo numa sociedade muito tecnológica como a da hoje, as nossas instituições não podem perder este lado humano, este lado de proximidade, este lado também com esta força comunitária, este sentido local, próprio e até familiar. São valores que outras estruturas não têm como a capacidade de proximidade e humanidade. Esses valores não se podem perder e são valores que a Igreja preza muito e é muito importante que estejam sempre presentes.

 Dada a oportunidade de conversa que nos concedeu pedíamos-lhe que nos deixasse uma mensagem à comunidade de Alijó em geral e ao universo da SCMA em particular.

Às pessoas de Alijó quero desejar uma Santa Páscoa, com saúde, com alegria e paz! À Santa Casa da Misericórdia de Alijó deixar uma palavra de reconhecimento pelo trabalho feito – a quem dirige, aos colaboradores e aos utentes – e desejar que sejam cada vez mais como uma família e que vivam o fim desta pandemia da melhor forma possível, sendo capazes de manter no trabalho todo o entusiasmo e empenho e que a SCMA seja cada vez mais fiel aos seus valores e à memória daqueles que a fundaram.

Por Joana Vieira e Pedro Espírito Santo 

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Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo

Irmã Maria Zita Mendes faz a retrospetiva de um serviço religioso em prol da Misericórdia

“Ser servas, todas dadas a Deus, competentes e alegres, é um dever de justiça para com os nossos “senhores e mestres”, os Pobres” (S. Vicente de Paulo)

As Filhas da Caridade foram fundadas em 1633 por S. Vicente de Paulo e Santa Luísa de Marillac em Paris. É a primeira congregação religiosa feminina católica a ter vida apostólica; até então existia, para as freiras, apenas a vida claustral. O mote fundamental das Filhas da Caridade é o serviço aos pobres: nos hospitais, nas escolas, nas paróquias, nos campos de batalha, aos doentes mentais, às crianças abandonadas, às mulheres marginalizadas, às pessoas idosas, e outros.

Iniciaram a sua atividade em Portugal entre 1821 e 1822, sob a égide e direção do Padre José António da Silva Rebelo, como legítimo representante do Superior Geral.

A pedido de algumas das Misericórdias e de outras Instituições de apoio aos mais carenciados, as Irmãs instalaram-se em algumas partes do País. A Misericórdia de Alijó assume-se como uma associação de fiéis, constituída na ordem jurídica canónica, por conseguinte o seu objetivo é satisfazer carências sociais e praticar atos de culto católico, de harmonia com o espírito tradicional, enformado pelos princípios da doutrina moral e cristã. Foi neste seguimento que as Irmãs Vicentinas desenvolveram a sua missão nas valências que a SCMA detém. Em 1933 as Imãs começaram a sua atividade em estreita colaboração com a Direção, dando continuidade e desenvolvendo a obra já iniciada pelos Alijoenses. Para além do auxílio que prestavam à Instituição, também ajudavam a paróquia e o antigo Hospital, tendo participando no coro e dando catequese às crianças da vila.

Aos idosos e aos mais carenciados eram prestados todos os cuidados de que as Irmãs dispunham, tendo como máxima o “amor afetivo e amor efetivo” segundo São Vicente de Paulo. O trabalho das Irmãs com os idosos foi destacado pela capacidade e competência de “acolher, ouvir, escutar e aliviar o sofrimento” como recordam alguns dos utentes da ERPI que acompanham de perto a missão das Irmãs. Na altura também se ocupavam da enfermagem e apoio aos utentes, eram as responsáveis pela “casa” a partir das 18h00, altura em que fechava a parte administrativa.

No período em que prestaram o seu serviço à SCMA, a presença das Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, foi marcada pelos 88 anos de espírito de missão, amor e dedicação. É com saudade que as Irmãs partem da Instituição Junho de 2015. Mas os contactos não se perderam e de forma a conhecer um pouco melhor o Passado da Instituição, o “Pelicano” recolheu alguns testemunhos de quem conviveu com as Irmãs Vicentinas.

Olívia da Conceição, utente da ERPI que na altura partilhou o seu dia-a-dia com as Irmãs, salienta que estas sempre foram “consideradas o rosto da Santa Casa e como é uma casa de orientação cristã eram elas as responsáveis pelos rituais religiosos, nomeadamente, as missas”. Destacou a assistência por parte destas, uma vez que as Irmãs residiam na ERPI e tinham conhecimentos ao nível dos cuidados de enfermagem.

O “Pelicano” esteve à conversa com a Irmã Zita que prestou o seu serviço nesta Instituição tendo exercido funções na Creche e Jardim de Infância. A Irmã Maria Zita Mendes nasceu em Moimenta da Beira, a 12 de Novembro de 1945 e pertence à Congregação Religiosa de S. Vicente Paulo.

A Irmã Maria Zita Mendes disponibilizou-se para recordar, em entrevista através da plataforma ZOOM, algumas das memórias que tem da Instituição. Ao longo da entrevista, foi notório o carinho que guarda por esta “casa”. A conversa incidiu no seu percurso pela Creche e Jardim de Infância, no qual refere que o que mais valoriza na educação das crianças é o “saber ser e saber fazer”, daí ser importante realizar visitas de estudo para as crianças aprenderem “um pouco mais sobre a vida”. Quando questionada acerca dos valores que incute às crianças refere que o mais importante é ensinar os valores básicos da vida em sociedade, entre os quais “saber agradecer, saber pedir desculpa e dar as boas horas” insiste que “são os pilares da vida”.

Recorda, com saudade, as visitas de estudo ao sapateiro, à padaria, ao talho, aos museus, que dinamizou nos anos em que passou pela Instituição. Refere que o mais importante era “ensinar às crianças de onde vem a comida que têm na mesa, cheguei a levá-los ao talho, às padarias, às feiras, ao sapateiro, porque não podem pensar que tudo na vida é um dado adquirido, têm que perceber que é importante valorizar o que têm (…) nestas idades não aprendem com sermões, aprendem a ver e a saber fazer, por isso é que valorizo muito isto na educação delas”.

Quanto às celebrações religiosas, refere que sempre transmitiu a “história de Jesus” às crianças de uma forma simples. Recorda, com um brilho nos olhos, as dramatizações, as histórias, as músicas que realizava com as crianças ao longo do ano letivo.

No que concerne à decrescente adesão dos jovens aos costumes e tradições da Igreja, refere que grande parte se deve “às alterações que a sociedade tem vindo a sofrer ao longo dos anos (…) as famílias tinham por hábito ir à Igreja ao Domingo, atualmente ou trabalham ou têm alguma atividade extracurricular com os filhos e isso acaba por limitar as suas idas à Igreja e a dedicação à religião”. Enfatiza que “Evangelizar os jovens é uma tarefa árdua, por isso é que devemos ser sinceros para chegar aos outros, só com a sinceridade é que nos levam a sério”. Refere que o Pontificado do Papa Francisco trouxe uma nova motivação aos jovens, menciona que este mantém as visões tradicionais da Igreja, contudo, tem vindo a adaptar-se às exigências do quotidiano e dos tempos “modernos”. Menciona também que a Sociedade deveria ter um papel mais ativo na Religião.

Ao longo da entrevista, uma das questões que surgiu foi o facto de ser recordada como uma pessoa “aventureira” e de ser alguém que valoriza muito as amizades, assim como ser “moderna e inovadora”. Para si o mais importante é “aprender ao longo da vida”, refere que “ou acompanhamos a sociedade ou perdemos o comboio”. O facto de ter aderido às redes sociais auxiliou-a na “transmissão da Religião”, desta forma faz uso do WhatsApp e do Facebook para enviar Orações, para partilhar documentação e até para lecionar a Catequese durante o confinamento.

No final deixou uma mensagem a todo o universo da SCMA: “Gostava de dizer para vestirem a camisola! Não façam da SCMA só um emprego, estejam aí de alma e coração (…) Tentem seguir o carisma, ou seja, a ideia inicial que levou à criação das Misericórdias e sejam felizes no vosso trabalho, só sendo felizes é que conseguem transmitir felicidade aos outros”.

TESTEMUNHOS:

Rafaela Silva, colaboradora da ERPI e afilhada de Crisma da Irmã Zita, deu o seu testemunho na primeira pessoa: “Sinto muitas saudades da Irmã Zita, escolhi-a para minha Madrinha de Crisma porque me ajudou muito, deu-me muitos conselhos, sabia tudo sobre mim, era uma pessoa com quem tinha um grande à vontade (…) Ela valoriza muito as coisas simples da vida, ensinou-me a dar mais valor à vida, ensinou-me que o pouco se torna muito!”. No que concerne à sua atividade laboral, refere que a ausência das Irmãs foi notada no sentido em que existia um “profundo respeito por parte dos utentes à matriz religiosa que elas representam”.

Catarina Teixeira e Nuno Almeida (11 anos), que frequentaram a Creche da SCMA, recordam alguns dos ensinamentos transmitidos pela Irmã Zita “ela levava-nos a conhecer as lojas das profissões antigas (…) íamos ao sapateiro ver como se faziam os sapatos! Na Primavera íamos apanhar as folhas das Amoreiras e alimentávamos os bichinhos da seda, quando se transformavam em Borboletas eram libertados e era uma enorme alegria para nós! A Irmã Zita fazia coisas muito giras!”.

Por Maria Bárbara Granja 

 

O acompanhamento espiritual na SCM de Alijó

Estando a desempenhar o serviço de acompanhante espiritual no Lar de Alijó foi-me solicitado contribuir com um artigo para o Jornal da Santa Casa da Misericórdia de Alijó. Neste sentido queria fazer-vos chegar um pensamento que me tem acompanhado nestes últimos tempos.

Nestes últimos tempos, em diferentes contextos, tenho percebido um certo pensamento que se refere de maneira negativa aos Lares para Idosos. O Papa Francisco I na Encíclica Laudato Si (ELS), primeiro e depois na Encíclica Fratelli Tutti (EFT), aborda o tema da cura e do cuidado com os idosos. Na ELS no nº 123 ao abordar o tema da Cultura do Relativismo alerta para a crescente tendência a olhar para os outros somente do ponto de vista dos próprios interesses e para o perigo da tentação de abandonar os Idosos. Na EFT nº 18 alerta para a tentação de considerar as pessoas somente pela utilidade que têm para os próprios interesses egoístas, colocando os Idosos na categoria do que já não serve, o que muitas vezes leva ao “abandono dos Idosos numa dolorosa solidão” (n. 19). Tivemos provas disso, na recente pandemia, com a morte de Idosos em condições desumanas (n. 35). Os Idosos são muitas vezes considerados um peso (n. 98). Pelo contrário, os Idosos são nossa responsabilidade (n.79). Importante, para este tema, é o EFT nº 186 os Lares são expressão concreta daquela Caridade que Jesus Cristo tanto nos exortou a cultivar e a exercer.

Nestes últimos tempos, como dizia, tenho sentido um certo sentimento de reserva em relação ao serviço dos lares: não é a “maneira conveniente de cuidar dos Idosos” é um “mal menor”, etc.

Ao ouvir estes comentários tenho recordado um grande missionário, Sacerdote já falecido, que encontrei nos meus anos de missão em Moçambique. O P.e Italiano Salvatore Forner, que me recebeu na missão de Cuamba, no Niassa, quando, ainda jovem, acreditava que ia mudar o mundo. Ele dizia-nos, aos que tínhamos acabado de chegar, uma frase que parece estranha, pelo menos a mim parecia: “o perfeito é inimigo do bem”. Mas é bem verdade, tantas vezes nós (eu) andamos tão distraídos a sonhar e a pensar o perfeito inalcançável que nos esquecemos do bem realizável. Nós (eu) sonhamos e apregoamos o ideal e descuidamos o real. O ideal era que não envelhecêssemos, que não adoecêssemos, que não precisamos de nada nem de ninguém.

Os Lares não são um “mal menor” são um Bem, uma Coisa Boa. São uma expressão concreta da Caridade que pode e quer tomar conta e cuidar de quem mais precisa. Tenho a certeza de que as pessoas que estão nos lares estariam muito, mas muito pior se não houvesse lares que delas cuidassem.

A verdade é que nós (eu) temos a prática de culpar as instituições pelas nossas (minhas) lacunas, colar às instituições as nossas (minhas) falhas e incapacidades. Não são as instituições que falham, são as pessoas, não são as instituições que ficam aquém das suas finalidades, são as pessoas que não cumprem. Não são as instituições que criam divisões e solidão, somos nós (eu) que não nos aproximamos, não nos interessamos, não cuidamos. Somos nós (eu) que nos esquecemos que os Lares e as Unidades de Cuidados Continuados e Paliativos são em resumo e na verdade pessoas. Somos nós (eu) que nos esquecemos que existe um Lar, uma Unidade de Cuidados Continuados, uma IPSS que precisa de cada um de nós para ser mais humana, para ser comunidade. Precisam não só do nosso contributo, mas também da nossa presença, do nosso interesse, do nosso cuidado: não somente as mãos que fazem o material, mas também o coração que pulsa com a vontade, com o querer.

As obras da Santa Casa da Misericórdia são um serviço de sincera e verdadeira caridade para todos, até para nós (mim) porque poderemos, a qualquer momento, precisar que alguém cuide de nós, porque é isso que deveria significar ser humanos “cuidar uns dos outros” e não somente de nós próprios.

P.e António Jorge Cachide Ferreira